Obcecado pelo défice, Governo agrava crise

Desemprego<br> é o principal problema do País

Eugénio Rosa
O Instituto Nacional de Estatística acabou de publicar os dados do desemprego referentes ao 3.º trimestre de 2005. Esses dados mostram que o desemprego real no nosso País é bastante superior ao número oficial de desempregados que os órgãos de comunicação social divulgam. Os dados também revelam que, contrariamente àquilo que o governo pretende fazer crer, o desemprego continua a aumentar de uma forma rápida em Portugal, sendo, sem qualquer dúvida, o problema social e mesmo económico mais grave do País.
O número oficial de desempregados em Portugal é já elevadíssimo – 429 900 no 3.º trimestre de 2005 segundo o INE - mas mesmo esse número não inclui a totalidade dos desempregados existentes no nosso País. E isto porque existe uma parcela importante de desempregados que não são considerados no número oficial apresentado, como se conclui dos próprios dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística que constam do quadro I.
Para se poder compreender o significado dos dados do
QUADRO I >>, e a razão por que eles provam que o desemprego real é muito superior ao desemprego oficial que é divulgado pelos média, é necessário clarificar os conceitos utilizados pelo Instituto Nacional de Estatística.
De acordo com o INE, os «Inactivos Disponíveis», que constam do quadro I, são pessoas desempregadas, que desejam trabalhar e que estão disponíveis para isso, mas que pelo facto de não terem feito diligências para arranjar emprego nas últimas 4 semanas anteriores ao inquérito do INE não são consideradas nem no número de desempregados nem no cálculo da taxa oficial de desemprego, embora estejam desempregados. E o seu número atingia no 3.º trimestre de 2005, segundo o INE, 58 100 como consta do referido quadro.
Para além da situação anterior, existe também o «Subemprego visível», constante também do quadro, que não é igualmente considerado nem no número nem na taxa oficial de desemprego. O «Subemprego visível» inclui todos aqueles que trabalham menos de 15 horas por semana, apenas pelo facto de não encontrarem um emprego com horário completo, apesar de terem declarado que desejam trabalhar mais horas. No fundo estão numa situação de desemprego de facto, e o seu número atingia, no 3.º trimestre de 2005, 61 400.
Se somarmos ao número oficial de desempregados, os «Inactivos Disponíveis» e o «Subemprego visível» obtemos aquilo a que chamamos desemprego corrigido, que é um número que está muito mais próximo do desemprego real do que o desemprego oficial divulgado pelos órgãos de comunicação social.
Fazendo os cálculos necessários obtém-se os resultados constantes do quadro I, que mostram o seguinte:
- Entre o 4.º trimestre de 2004 e o 3.º trimestre de 2005, período de tempo dominado pelo governo de Sócrates, o desemprego oficial aumentou de 389,7 mil para 429,9 mil, e a taxa oficial de desemprego passou, no mesmo período, de 7,1% para 7,7%. Isto significa que no fim do 3.º Trimestre de 2005 a taxa de desemprego oficial – 7,7% - atingiu o valor que, de acordo com o Relatório do Orçamento de Estado para 2006, o governo tinha previsto só ser alcançada no próximo ano.
No entanto, o desemprego corrigido, que inclui os «Inactivos Disponíveis» e o «Subemprego visível», passou, entre o 4.º trimestre de 2004 e o 3.º trimestre de 2005, de 525,3 mil para 549,4 mil, e a taxa desemprego corrigida subiu de 9,5% para 9,9%, aproximando-se dos dois dígitos; portanto, valores todos eles superiores aos oficiais, ou seja, aqueles que são divulgados pelos média.
Este crescimento do desemprego tem tendência para se agravar muito mais no futuro, porque o crescimento económico depende, entre outras coisas, do investimento. E se analisarmos a previsão do investimento público para o próximo ano, que se encontra espelhada no PIDDAC (Plano de Investimento da Administração Central) para 2006, concluímos que se vai verificar uma quebra muito significativa no investimento público. Em 2005, o Estado investiu 6724 milhões de euros e, em 2006, prevê investir apenas 4853,5 milhões de euros, ou seja, menos 27%. Por outras palavras, o governo dá ao País precisamente o sinal contrário daquele que devia dar, contribuindo para agravar o desemprego e muitos outros problemas.

Desemprego cresce de forma desigual no País

Tal como sucede com o crescimento económico desigual das diferentes regiões do País, também a nível de desemprego as taxas variam muito de região para região, e os aumentos das taxas de desemprego também são muito diferentes, revelando a existência de estruturas produtivas diferentes e, nomeadamente, de algumas regiões estarem a ser mais atingidas pelas consequências da grave crise económica que enfrenta o País.
O QUADRO II >>, com os dados do desemprego oficial divulgados pelo INE , revelam disparidades muito grandes e aumentos muito desiguais das taxas de desemprego das diferentes regiões.
De acordo com os dados publicados pelo INE constantes deste quadro, em 2005, as taxas oficiais de desemprego das regiões Norte, Lisboa e Alentejo são superiores à média nacional, enquanto as restantes regiões apresentam taxas inferiores à média nacional.
Se analisarmos a evolução verificada num período mais longo - 4.º trimestre de 2001 e o 3.º trimestre de 2005 - o crescimento é muito desigual, sendo o mais elevado na região Norte e seguindo-se, por ordem decrescente, a região Centro e depois as regiões da Madeira e Açores. É extremamente preocupante o aumento da taxa de desemprego oficial na região Norte que atinge 137,8%, o que mostra que é fundamentalmente esta região que está a sofrer as consequências mais graves de uma liberalização imposta por uma globalização neoliberal e da concorrência asiática, até pelas características do seu tecido produtivo, muito baseado em mão-de-obra barata e pouco qualificada, o que mostra também que este modelo de crescimento está esgotado, e não é procurando impor baixos salários, intenção essa do Governo que consta do próprio Relatório do Orçamento para 2006 (pág. 2), que se poderá ultrapassar a crise actual.

Perigo da exclusão social atinge mais de 200 000 desempregados

Um dos problemas mais graves da situação actual é o perigo de que um número crescente de trabalhadores desempregados acabe por ser socialmente excluído. E isto por várias razões.
Em primeiro lugar, porque são trabalhadores na sua maioria com baixa escolaridade e com uma qualificação profissional de banda estreita (sabem fazer muito bem o que sempre fizeram durante toda a sua vida profissional, mas fora disso têm grande dificuldade em se adaptar a uma nova profissão), o que determina que se perdem o emprego têm muito dificuldade em arranjar novo emprego. Em segundo lugar, porque são trabalhadores com idade elevada, o que dificulta a sua reinserção no mercado de trabalho. Em terceiro lugar, porque devido à sua baixa escolaridade, têm grandes dificuldades em adquirir novos saberes e novas competências através de formação profissional. Finalmente, quanto mais tempo estiverem no desemprego, tanto maiores serão as suas dificuldades de reinserção profissional.
Os dados constantes do QUADRO III >>, publicados pelo INE, que se referem apenas ao desemprego oficial, revelam uma realidade cada vez mais preocupante.
Como mostram os dados do quadro, o desemprego de longa duração (12 a 24 meses) e o desemprego de longuíssima duração (mais de 25 meses) são aqueles que têm aumentado mais no nosso País. Assim, entre o 4.º trimestre de 2001 e o 3.º trimestre de 2005, o desemprego oficial total aumentou 101,9%, portanto praticamente duplicou, o que é um valor muito elevado. No entanto, durante o mesmo período de tempo, o desemprego de longa duração cresceu 153,6% e o de longuíssima duração subiu 186,3%.
Este crescimento muito mais elevado do desemprego de longa e longuíssima duração indicia que uma parte importante dos desempregados está a encontrar dificuldades crescentes de reinserção no mercado de trabalho, correndo riscos crescentes de exclusão social.

Menos de 29 em cada 100 desempregados recebem subsídio de desemprego

O número de desempregados a receber o subsídio de desemprego é extremamente baixo em Portugal como mostram os dados do QUADRO IV >>.
Como mostram os dados, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, o número de desempregados a receber subsídio de desemprego em Portugal representava, no 3.º trimestre de 2005, apenas 28,6% do total de desempregados existentes na mesma altura.
E apesar do seu número ser bastante baixo, o Governo de Sócrates pretende reduzi-lo ainda mais. Para isso, o Ministério do Trabalho apresentou em 28.10.2005 aos parceiros sociais um documento a que chamou «Medidas de revisão da protecção social na eventualidade de desemprego», que está neste momento em debate no Conselho Permanente da Concertação Social, que visa reduzir ainda mais o número de trabalhadores desempregados a receber o subsídio de desemprego. Com esse objectivo, reduz para 6 meses o tempo máximo que um trabalhador com menos de 30 anos de idade pode receber subsídio de desemprego (actualmente o tempo de duração do subsídio é de um ano); obriga o desempregado, sob pena de perder o subsídio, a aceitar o chamado emprego conveniente que pode significar ter de aceitar uma remuneração para a categoria que vai ocupar que pode ser inferior à constante do CCT do sector a que pertence a empresa; que o obriga a aceitar um emprego em que gastará em transportes até 20% da sua remuneração líquida mensal que vai auferir, etc., etc. .
O objectivo claro é reduzir o já baixo número de desempregados a receber subsídio de desemprego e, consequentemente, as despesas com o pagamento de subsídios de desemprego. A confirmá-lo está o facto de o Orçamento para 2006 apresentado pelo Governo ter uma verba orçamentada com esse fim que representa um aumento de apenas 4,9% relativamente à de 2005 (mais 88,1 milhões de euros), quando o crescimento em 2005 foi de 8,2% (mais 135,1 milhões de euros). E isto apesar de se estar a verificar um aumento rápido do desemprego como os números apresentados neste estudo revelam.

Os custos do desemprego

O desemprego tem elevados custos quer para o País (riqueza perdida) quer para os trabalhadores (salários não recebidos), quer para a Segurança Social (contribuições não recebidas e subsídios pagos) quer para o próprio Estado (impostos não recebidos).
No QUADRO V >> estão quantificadas algumas das
consequências económicas do desemprego.
Em dois anos apenas – 2005 e 2006 – Portugal perderá, devido ao desemprego, 31 608 milhões de euros de riqueza não produzida, ou seja, se os 550 000 trabalhadores que se encontram no desemprego estivessem a trabalhar produziriam nestes dois anos 31 608 milhões de riqueza, que corresponde a cerca de 10,7% do PIB deste período.
Se estivessem empregados, os desempregados teriam recebido 12 643 milhões de euros de salários, o que lhes permitiria ter uma vida mais digna do que na situação de desempregados, o que contribuiria também para dinamizar a actividade económica, devido ao aumento do mercado interno que a utilização desses salários determinaria.
Por outro lado, se os desempregados estivessem a trabalhar, a Segurança Social receberia nestes dois anos mais 4394 milhões de euros de contribuições, e não pagaria 3685 milhões de euros de subsídios de desemprego, o que contribuiria para resolver os problemas financeiros da Segurança Social e garantir a sustentabilidade financeira futura.
Finalmente, se os desempregados estivessem a trabalhar, produzindo riqueza, o Estado teria recebido só de IVA, nos dois anos considerados, mais 6482 milhões de euros, o que permitiria reduzir de uma forma sustentada o défice orçamental.
O problema do desemprego é muito mais grave do que o problema do défice orçamental. O Governo, ao não compreender esta verdade económica elementar, e em teimar na obsessão do défice como prova o Orçamento que apresentou para 2006, está a conduzir o País para uma crise muito mais grave e profunda, e para recessão económica.
[ ver QUADROS >> ]



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